A mulher do comboio

Tuesday, July 18, 2006

A fria noite do silêncio

A fria noite do silêncio

Publicado no site http://www.verdestrigos.org/sitenovo/site/novaversao.asp,
de Henrique Chagas, que faz um excelente trabalho cultural em Presidente Prudente

Já não precisamos, no nosso crônico complexo de vira-latas, invejar Paris e seus pares: também aqui, a exemplo dos subúrbios da capital francesa, há revolta social, toque de recolher e manifestação dos massa excluída. Mas como somos mais evoluídos, só queimar carros é démodé: a parada é barbarizar, o bagulho é causar. Impunidade, insegurança, terror, mortes - muitas mortes!
Mas nas nossas noites de Bagdá – comparação mais precisa – a realidade, que já batia à porta, arrombou-a de vez: enquanto se limitava aos guetos, passava. Agora não mais: invadiu toda a cidade, como num assombroso tsunami que, segundo consta, ainda nos aguarda.
Comércio fechado, pontos de ônibus lotados no meio da tarde, celulares indisponíveis (os dos bandidos funcionam), pessoas apavoradas. Fui dar uma volta, lá pelas 18h00. Nem pra comprar um pãozinho dava. Ou melhor, apenas em alguns locais, como na padaria Viena, na Rua Oswaldo Cruz. “Vou encerrar daqui a pouco, mas temos que continuar vivendo”, disse o proprietário, Carlos Ferreira, que realmente fechou o estabelecimento mais tarde. Na Unisanta, não houve aulas. A noite, juntamente com a fina chuva que começou a cair, produzia um aspecto ainda mais sombrio à Cidade. Encontro com um “motoboy” da TV Cultura, Heleno, que veio buscar uma fita da Santa Cecília, com imagens da rebelião do CDP de São Vicente para exibição no telejornal das nove. Lembrei-me do Rota 66, Caco Barcellos. “A Polícia já me parou várias vezes, mas quando vêem meu uniforme, me deixam passar”, diz. Isso é o que me assusta, pois não tenho nenhuma vestimenta que me identifique como imprensa, apenas a carteirinha de estudante de Jornalismo, improvisada como crachá. O receio não é me deparar com possíveis bandidos, mas o olhar de desconfiança das poucas pessoas que transitam pelas ruas e também dos policiais, mas não encontro nenhum. Arrisco fotografar alguns estabelecimentos comercias que àquele horário deveriam estar abertos, e os vigilantes, tão assustados quanto eu, correm para impedir. E quando digo “Imprensa” e mostro o improvisado crachá, a resistência baixa. Mas nem tanto assim.
No Centro, a mesma situação. As ruas ao entorno das delegacias estão bloqueadas, proteção justa para quem arrisca a vida e se tornou o principal alvo. Nesta guerra, estamos ao lado da Polícia. Mas nem por isso arrisco fotografar. Tenho medo. Na Praça José Bonifácio, o Fórum cercado. Nunca imaginei o centro do Poder Judiciário sitiado. Quem sabe a proximidade com a Catedral ajude a obtenção das bênçãos divinas, as únicas, talvez, a nos salvar.
Mais uma volta, e vejo uma pequena porta, com uma escassa luz na entrada. “Tá fraco o movimento, meninas?” pergunto às primas, que se mostram entusiasmadas com um possível cliente numa noite de pouco movimento. Elas reclamam que até o momento, 19h00, nada. Ando uma quadra e vejo uma pequena igreja, com as portas abertas. Vazia. Pecadores e santos, diferentes em quase tudo (ou nem tanto, diria um cínico) têm um sentimento comum, que se estende a toda Cidade: o medo. Medo de sair às ruas, de seguir o curso habitual, de colocar a cabeça na janela, observar o movimento atrás da cortina e através da TV, do rádio, da internet. Compreensível, mas é diante da adversidade que devemos mostrar bravura, arregaçar as mangas e realizar ações que visem à melhoria da população. Clichê? Sim, mas um clichê verdadeiro.
De manhã, Santos parece voltar à vida normal, embora normalidade seja um conceito relativo. Vamos continuar vivendo, até porque não há alternativa, só a morte, que tanto nos assusta e que, de mãos dadas com o pavor, tão presente se fez na Cidade nessa fria noite de silêncio.

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