A mulher do comboio

Sunday, June 01, 2008

A misteriosa segunda meia-noite

-Então tá, fica combinado assim. Por volta da meia-noite, em frente ao shopping. Beijos!
- Beijos!

Desta forma Maurício despediu-se de Ana, finalmente marcando o encontro que tanto ansiavam. Não era para menos: há cerca de um mês se falavam pela internet, onde se conheceram. Já era hora de se verem, para uma boa amizade, ou quem sabe, “algo mais”, eufemismo que homens – e algumas mulheres, por que não? – usam para definir sexo casual, sem maiores envolvimentos.
Desligou o computador e foi descansar um pouco, antes da hora esperada. “Afinal, a noite promete”, pensava um otimista Maurício. Não seria a primeira mulher com quem sairia através da net. Seu “modus operandi” era conhecido: uma conversa num barzinho, ao pé de ouvido, e jogaria todo o charme. Sem demonstrar qualquer interesse por sexo - quando na verdade, era essa a motivação que o fazia sair de casa para se encontrar com uma desconhecida!

Enquanto descansava o corpanzil no sofá, ouvindo músicas com o som baixinho, teve um sobressalto. Afinal, a qual meia-noite ela se referia? Sim, porque neste sábado haveria a troca do horário, os relógios deveriam ser atrasados em uma hora. Detalhe pequeno, mas que poderia fazer toda a diferença; afinal, se por acaso um deles chegasse na primeira ou na segunda meia-noite, como ficaria? O desencontro inicial poderia ser fatal nas suas pretensões, já que um cano na primeira vez pode desestimular o entusiasmo de ambos.

Ana escolheu esse horário porque trabalhava num shopping até às dez. Assim, fecharia o caixa e deixaria tudo pronto para o dia seguinte, com o tempo necessário para se arrumar, sabemos como são as mulheres. A intenção era ter uma noite agradável, o que não significa, no seu entender, sexo no primeiro encontro. Não que descartasse totalmente. Se o cara for bonito e interessante, que mal tem, pensava. Já havia passado dois meses do fim do seu último relacionamento, e ao contrário do que acreditam alguns homens e mulheres, todos hipócritas ou ingênuos, o fogo que consome as partes mais íntimas dos machos é o mesmo que faz arder as mesmas das fêmeas. A abstinência também cansa de esperar.

No entanto, Maurício mantinha sua inquietude em relação ao horário. E agora? Seria fácil de resolver se tivesse o número, mas ela mesma decidiu que não daria até que se conhecessem, “um pouco de mistério é bom”, costumava dizer. Ligou o computador e mandou um email, mas sabia que sua tentativa seria infrutífera, já que Ana iria do trabalho direto para o encontro.

O tempo ia passando e sua angústia aumentava. Bem, pensou, vou na primeira meia-noite. Se ela não aparecer, espero até a segunda, paciência. Ana só mostrou sua foto no primeiro dia, depois não quis mais. “Sou tímida”, dizia. Comentou que iria com uma calça jeans e uma blusinha azul. Não seria difícil identificá-la.

À primeira meia-noite (ou onze horas) lá estava ele no local combinado. Meia-noite, meia-noite e quinze, e nada. De repente, ouviu uma voz feminina:
- Oi, desculpe o atraso. Vamos beber algo? Tem um barzinho logo ali.
- Sim, claro - respondeu, um pouco assustado com a iniciativa de Ana.

Só a achou um pouco diferente da foto, da única vez que a viu. Não tinha ela os cabelos pretos? Essas luzes, o que são? Ah, de repente foi ao cabeleireiro, mudar o visual especialmente para o encontro. E essa blusinha verde? Bem, na correria pra se vestir, acabou confundindo. Ou talvez nem se lembre que disse que iria com blusinha azul. Mas o que isso, afinal, importa? De qualquer jeito, ela é bonita, e o papo através da msn sempre foi agradável. Qual o problema?

Ele estava certo. A conversa rolava solta e descontraída, só estranhava quando ela dizia, “Poxa, você não lembra?”, a respeito de fatos da vida que havia contado. Não, não se recordava, mas disfarçava dizendo que sim, as mulheres não gostam que um homem esqueça as coisas já ditas. Quando isso acontecia, ele tomava mais uma taça de vinho pra se animar, “vamos logo terminar com isso e ir para o que interessa”, pensava.

Cerca de uma hora depois, com os olhares maliciosos e os primeiros beijos já consumados, de repente ele olhou para a entrada do shopping. Fixou a visão e viu uma mulher, impaciente, a olhar o relógio. Novamente olhou, com mais atenção, e viu que ela tinha os cabelos pretos e usava uma calça jeans, com blusinha azul.

- Então, vamos sair daqui? – disse a mulher, mordiscando suavemente sua orelha.
Maurício não sabia o que fazer diante de tal mistério. Atônito, sua única reação foi se dirigir ao garçom:
- Por favor, traga uma segunda garrafa de vinho.
O garçom fez menção com a cabeça. E aproximando-se do ouvido de Maurício, disse baixinho:
- Mas o senhor já se decidiu com quem vai tomar?, disse, lançando um olhar enigmático sobre Maurício, enquanto se dirigia para pegar a garrafa...