A mulher do comboio

Saturday, July 29, 2006

CRÔNICAS - RONALDO ANDRADE

Espera

21:45. O telefone toca. Corro em direção a ele, meio desinteressado. Afinal, quem poderia ser, nessa noite de quinta-feira chuvosa? Mas antes que pudesse atender, ele pára de tocar. Emudeceu, simplesmente. E eu ainda o tiro do gancho, numa costumeira e inútil mania de tentar pegar a ligação, mas que nós sabemos que não adianta nada, é apenas puro reflexo. Mas isso mexe comigo. Quem poderia ligar e, na última hora, ter desistido? Terá se arrependido? Será que no fundo de seus pensamentos, a pessoa decidiu que não valeria a pena falar comigo? Fico inquieto. O que poderia ter acontecido? Ah, logo em seguida o telefone voltará a tocar, é sempre assim, a pessoa volta e diz “Sim, estava tentando ligar, mas mudei de orelhão, o outro estava com defeito”. Sim, é isso. Esses telefones públicos vivem com defeito, a Companhia Telefônica sempre diz que conserta, mas depois sempre diz que os telefones vivem com defeito porque a população não os preserva, e é verdade, outro dia mesmo vi um senhor de idade (isso mesmo, não um moleque qualquer) ficar batendo em um orelhão, parecia estar com bastante raiva, dizendo que o cartão era novo, com 20 unidades, mas o mostrador apontava apenas 7. Isso acontece. Mas que droga, maldito vandalismo. E meu telefone não toca.
Fico a observá-lo, ele completamente mudo, quase implorando para que ele volte a inundar o apartamento com seu som estridente, muitas vezes nos irritando, outras acabando com a ansiedade de um telefonema aguardado. Mas ele não toca. Também, pensei, a culpa é minha, quem mandou ser arrogante logo no primeiro toque, bem feito, seja mais humilde da próxima vez, dê chance para que ele toque mais vezes. Tento ser arrogante mais uma vez, dou de ombros, mas continuo apreensivo. Agora, quero que ele toque, quero falar com alguém, não estava fazendo nada, é bom conversar numa noite chuvosa, a chuva batendo na janela querendo entrar, coitada, deve estar com frio, ah, essa foi boa, a chuva estar com frio. Mas ele não toca. Continuo a olhar, são quase 22:00hs. Ah, deve ser isso, a pessoa não vai ligar mais por causa do horário, ela é educada, mas não tem problema não, isso é só uma convenção social, pode ligar que eu não ligo não. Fico pensando quem poderia ter ligado... pego minha agenda e examino os nomes, um por um, mas isso me confunde: ao mesmo tempo que qualquer um poderia ter ligado, nenhum deles se daria ao trabalho de fazê-lo...grandes amigos, esses que tenho. Quem sabe, a minha namorada. É, acho que foi ela...se bem que hoje ela já me ligou. Duas vezes. A primeira ligação para falar sobre amenidades e para dizer que ligaria mais tarde para marcar um horário para gente se encontrar. A segunda ligação, para desmarcar o compromisso. Estranho. Ligando as coisas, dá para entender. Acho que ela ligou para terminar e, no último momento, não teve coragem ... deve ter se lembrado dos bons momentos. Modéstia à parte, bons mesmo. Mas tenho de confessar que nos últimos tempos a coisa está meio morna. Será que ligo para ela? Acho que não. Ligar para perguntar “era você que estava tentando ligar ?”, acho que é humilhante demais. Continuo a olhar, mas ele não toca. Sinto fome e caminho em direção à cozinha, mas me retenho no meio do corredor, com medo de que o telefone se aproveite de minha ausência e volte a tocar, e aí correrei para atendê-lo, não conseguiria, e tudo voltaria a acontecer. Então, sento-me na poltrona e me limito a observá-lo, ele mudo e eu mais ainda, estamos aqui os dois, sozinhos, homem e objeto, um olhando para o outro, desafiando-nos como num teste de resistência, do tipo quem pode mais. De vez em quando dou uma dormidinha, só fingimento, para ver se consigo enganá-lo e ele volte a tocar, e aí correrei para atendê-lo e enfim falarei com o misterioso ser que provocou tudo isso. Mas são quase 03:00hs da madrugada e o telefone não toca...
Uma mulher muito especial


Rita era uma mulher muito especial. Aliás, tão especial que o simples pronunciar de seu nome suscitava devaneios e sonhos do mais puro prazer. Enlouquecia os homens com a mesma rapidez com que os destruía. Realmente, era uma mulher muito especial.
Seu último romance terminou de maneira trágica, inconseqüente. Henrique, seu parceiro no amor e nos negócios, desejava-a ardentemente, mas nos últimos meses, algo estranho estava acontecendo. O calor mútuo da paixão estava morno, eles já não se entendiam. Ele, que planejava filhos, não agüentou a dor ao ouvir de sua amada o não de uma relação estremecida. Estava tudo explicado: Rita era a base de um sólido triângulo amoroso. A Henrique, frágil vértice desse terrível acontecimento, restava a sarjeta dos derrotados.
Já não se importava consigo próprio, queria desaparecer do olhar de todos. As Artes Plásticas, sua outra paixão, perdera um de seus melhores artistas, enfraquecido pelas loucuras da emoção. Procurava raciocinar: onde estava a razão? Perdido em seus pensamentos, mergulhava em um profundo abismo escuro e frio, sem chance de voltar.
Rita apenas lamentava o triste fim de Henrique. Seu espírito nórdico a impedia de transparecer seus verdadeiros sentimentos em relação às pessoas. Queixava-se que não podia amar: não queria transformar-se em prisioneira do coração. Sentia desejo de liberdade. Mesmo assim, soube-se mais tarde do fim de outro homem. Realmente, Rita era uma mulher muito especial.
Sedução


Os dois estavam no restaurante, apenas entreolhando-se, certamente indecisos e inseguros quanto a uma possível aproximação. Finalmente, a moça levantou-se e decidiu dar um basta àquela situação de dupla impotência e, chegando em sua mesa, convidou-o para dançar. A resposta positiva do cavalheiro era apenas a confirmação da tórrida noite que teriam.
No meio da dança e depois do inevitável clima surgido, foi a vez do rapaz tomar a iniciativa. Enquanto a música estimulava o desejo, ele jogava todas as sua fichas: “Que tal se formos para um lugar mais tranqüilo, onde pudéssemos nos conhecer mais... profundamente?” E ante a confirmação já esperada, apressaram-se em direção ao carro, certos de que tudo poderia acontecer ali mesmo.
Já dentro do automóvel, as carícias preliminares tornaram-se mais ousadas, incentivando a ida ao apartamento da mulher, um luxuoso dúplex não muito longe dali. Molhados pelo prazer, subiram pelo elevador. Àquela altura, porém, a mulher não poderia agüentar mais e decidiu satisfazer-se naquele momento. O homem deslizava os beijos por todo o seu corpo e sua respiração ofegante fazia com que ela o quisesse ainda mais. Pescoço, seios e boca eram inundados por beijos sedutores que os faziam enlouquecer. O sexo louco e impulsivo era estimulado ainda mais porque eles não se preocuparam em apertar o botão de emergência. Mas no íntimo, esperavam que o elevador se movimentasse e alguém os visse ali, alimentando seus sonhos secretos de voyear. A transa fazia com que o homem gemesse cada vez mais alto e que a mulher o acompanhasse nesse delírio, quando o elevador começou a subir! Sim, a expectativa de ambos havia sido atendida e o elevador foi subindo, subindo até chegar ao último andar daquele suntuoso edifício. A ansiedade da porta sendo aberta excitou-os ainda mais, fazendo-os chegar ao clímax daquela incrível noite de prazer, esperando a reação de surpresa da pessoa que desejava descer... mas a porta permaneceu fechada.
Mulheres

Afinal, o que as mulheres querem ? Sei que sou apenas mais um dos milhares de mortais que ousam tentar responder a essa intrigante pergunta, e que provavelmente serei também mais um a passar longe de uma possível resposta (se é que ela existe). Mas, desafiando a ira dos deuses (e das deusas também), lançar-me-ei a esse desafio, tal qual os grandes navegadores que se arriscavam ao mar atrás das grandes conquistas, ora por vez conquistando terras paradisíacas, ora por vez naufragando em mares escuros e revoltos, sem deixar rastros ou lembranças.
Bem, onde estávamos ? Ah, lembrei. Acredito que as mulheres, por serem de uma complexidade sem igual, querem coisas do outro mundo, do tipo “um homem bonito, inteligente, rico e que dê prazer sexual”. Certo ? Errado. Afora isso, elas querem mais, muito mais. Só que o “mais” em questão é muito mais simples do que parece, e aí é que entra a dificuldade. Algumas coisas, justamente por serem simples, são difíceis de serem conquistadas. Evidente que se o homem possuir as características descritas acima, seria bem melhor, unir o útil ao agradável. Mas as mulheres querem simplesmente serem amadas, desejadas e para isso não é necessário ter todas essas qualidades. É necessário, sim, compreendê-las como elas são: sensíveis, delicadas, donas de uma intuição sem igual e com uma enorme sede de amar. É gostoso e desafi-ador procurar desvendar seus segredos e anseios, desejá-las por completo, dos pés à cabeça.
Nós, os homens, temos uma missão na Terra: realizar seus desejos, sonhos e fantasias, mesmo correndo o risco de enlouquecê-las ou de sermos enlouquecidos por elas (o que, para dizer a verdade, é muito mais fácil de acontecer). Não há nada melhor, entretanto, do que proporcionar prazer à uma mulher, deixá-la literalmente nas nuvens! Há um vasto campo para fazer tudo isso, devemos aproveitar e procurar satisfazê-las da melhor maneira possível. Então, mãos (ah, as mãos !), cabeças e corações à obra !

POESIAS - RONALDO ANDRADE

Quero te conhecer


Quero te conhecer
De uma maneira diferente
Quero poder te falar
Tudo o que o meu coração sente
Quero, enfim, dizer que por você
Meu pensamento voa
Longe, infinito
Vagueando à toa
Procurando uma razão de entender
As coisas que acontecem entre nós
Mas afinal...que coisas?
Nunca nos tocamos
Nem nunca nos beijamos
Nós apenas conversamos e nos olhamos
Temerosos, desejando que um dia
Tudo isso possa vir a acontecer
Será um momento maravilhoso...
Nossos corpos se encontrando
Em instantes de prazer
Mas devo confessar que nos meus sonhos
Tudo já se realizou
Você em meus braços
Dizendo, com carinho
Sussurrando, bem baixinho
Doce e mágica seqüência de palavras:
Eu te amo, meu amor!


Noites de loucura


Noites de loucura
É o que eu quero ter
Noites de loucura
É o que eu espero viver
Noites de loucura
É o que irá acontecer
Noites de loucura
Apenas eu e você

Noites de loucura
Nós dois, bem juntinhos
Noites de loucura
Que bom ter carinho
Noites de loucura
Gostoso ter prazer
Noites de loucura
Apenas eu e você

Noites de loucura
Que mal há em realizar ?
Noites de loucura
Quero somente amar
Noites de loucura
O brilho da paixão irá resplandecer
Noites de loucura
Apenas eu e você

Noites de loucura
Trovões rasgando o céu
Noites de loucura
Seus beijos, beijos de mel
Noites de loucura
A vida querendo ser
Noites de loucura
Apenas...eu e você !

“Noites de loucura...
Realmente existem?
A resposta é: sim,
Para nossa felicidade...elas existem !”


Desejo

Perdão
Se a revelação de meus sentimentos
Te deixou surpresa
Mas não podia mais sufocar meu coração
Precisava me libertar
Experimentar a sensação de leveza
Sentir emoção
Sei que desejar-te é por vezes doloroso
É por vezes triste
Mas também é caloroso
E é em busca desse calor
Que continuo a sonhar
Dia e noite, noite e dia
Até conseguir realizar
Com sacrifício e luta
Meu sonho
Que por enquanto
Está só no pensamento
Mas que sem dúvida acontecerá
Pois só assim terei certeza
Que bons momentos aproveitei
Só assim terei certeza
Que vivi, que sonhei...que amei !



Corpo

Minha boca precisa da tua
Meus lábios precisam dos teus
Minha alma deseja a sua
Meus olhos querem os seus

Meu corpo necessita do teu
Minhas mãos precisam tocá-la
A felicidade que você já me deu
Para o céu quero levá-la

Teu rosto quero acariciar
Tua pele macia quero tocar
Teus cabelos leves e soltos
Neles quero mergulhar

Seu coração quero possuir
Seu pensamento, nele quero estar
Só assim poderei sentir
Que eternamente iremos nos amar !





Nesse Momento

Nesse momento...
pessoas estão sorrindo
pessoas estão chorando
pessoas estão indo
pessoas estão voltando
Nesse momento...

Nesse momento...
pessoas estão nascendo
pessoas estão odiando
pessoas estão morrendo
pessoas estão amando
Nesse momento...

Nesse momento...
pessoas estão lutando
pessoas estão desistindo
pessoas estão acreditando
pessoas estão persistindo (mais um pouco...)
Nesse momento...

Nesse momento...
pessoas estão sentindo
pessoas estão escrevendo
pessoas estão ouvindo
pessoas estão lendo
Nesse momento...


Todas as coisas estão acontecendo nesse momento
Nesse momento todas as coisas acontecem
As coisas todas acontecem nesse momento
É nesse momento em que acontecem todas as coisas


Perdão

Desculpe, meu amor
Se eu te faço sofrer
Entenda, não é por querer
Sei que na sua dor
É difícil de entender
Seu coração magoado
Apertado, dói, eu sei
Sei porque o meu
Também está assim
Triste, confuso
Procurando saber
A razão disso tudo
Mas meu amor
(Permita-me que eu
Ainda lhe chame assim ?)
Que queres que eu faça ?
Apenas obedeço aos
Impulsos do meu peito
Que diz que é assim
Sinto muito, não tem jeito
Mas por favor
Entenda, meu amor
Entenda e me perdoe
Sei que posso me arrepender
Desse caminho escolhido
Mas assim será
Um dia, quem sabe
Ainda iremos nos encontrar
Talvez então possamos
Novamente nos amar
Juntos, de novo sonhar
Esquecer nossos erros
E um ao outro perdoar


Meu sonho

Meu sonho é fazer um gol
Não um simples gol, qualquer
Mas sim um golaço
Sim, um verdadeiro gol de placa
Desses que fazem a torcida
Enlouquecida, delirar
Ter prazer
Explodir em gôzo
Desses que até a torcida
Adversária aplaude
Resignada, e ao mesmo tempo
Contente, por ter presenciado,
Visto com os próprios olhos
Tamanha beleza
Dessas que nos fazem refletir,
Introspectivos,
O significado e a importância
Desse momento
E após tudo isso, comemorar
Junto ao alambrado
Dançar, tocar o torcedor
Com o radinho de pilha no ouvido
Que foi lá, que está aqui
Só para nos ver jogar

E após tudo isso
Ver o placar se movimentar
O adversário respeitar
O companheiro de equipe se alegrar
Todos, todos mesmo
Presentes ao estádio
Se entusiasmarem e saudarem
A vida e seus mágicos momentos
E o goleiro
Ah, pobre do goleiro
Nós que somos (e temos) um pouco
De goleiro
Finge tristeza, mas que no fundo
Está orgulhoso por ter sido
O escolhido, e que no seu íntimo diz
“Meu Deus, que golaço...”


...um gol que faça os vivos amarem
e os mortos levantarem
a guerra (estupidez) acabar
e a paz triunfar.



Convite


Te convido para andar comigo
Mas não garanto que chegaremos juntos ao final da estrada
Se queres, dê-me a mão
Se não, sejas feliz assim mesmo
É o que deseja meu coração

Te convido para voar bem alto
Mas não garanto que chegaremos juntos ao final do vôo
Se queres, venha então
Se não, sejas feliz assim mesmo
É o que deseja o meu coração

Te convido para viver, sonhar
Mas não garanto que conseguiremos realizar
Se queres, juntos sonharemos
Se não, sejas feliz assim mesmo
É o que desejam meus sentimentos

Wednesday, July 19, 2006

Vencedor do Prêmio Pulitzer fala sobre Jornalismo Investigativo
Maio - 2006

Os jornalistas Susan Schmidt, James V. Grimaldi e Jeffrey Smith, do Washington Post, foram os ganhadores do Prêmio Pulitzer 2006, categoria Jornalismo Investigativo, com a reportagem sobre o lobista Jack Abramoff. Eles investigaram suas ligações com o Congresso Americano e as arrecadações de campanhas eleitorais do Partido Republicano -do presidente George Bush- que detém a maior parte dos lobistas.
Abramoff foi condenado a cinco anos e dez meses de prisão por fraude, corrupção pública e evasão de taxas, juntamente com seu sócio, Adam Kidan. O estelionato foi no processo de compra da frota de navios-cassino SunCruz, em 2000, quando fizeram um falso depósito de US$ 23 milhões para obter um empréstimo de US$ 60 milhões. No seu caso específico, Abramoff era ligado ao líder republicano na Câmara, Tom Delay, investigado por uso de caixa dois e que renunciou ao cargo.
Lobby não é crime nos EUA, e é um negócio lucrativo. São cerca de 27.600 lobistas que movimentam anualmente US$ 2,1 bilhões. Seus clientes são, por exemplo, associações –empresariais, ambientalistas- e pagam para influenciar as decisões dos deputados e senadores, da Casa Branca e dos ministérios. Isso gera desconfiança, pois muitos eleitores acreditam que as necessidades da população são colocadas de lado, atendendo somente aos interesses de cada grupo apoiados por lobistas. Após o escândalo, o Senado Americano aprovou uma lei estabelecendo novas regras entre senadores e lobistas. Estes não poderão pagar refeições ou dar presentes aos senadores, como ingressos de eventos esportivos, além de aprovação pelo Conselho de Ética para a aceitação de viagens pagas por empresas e demais grupos privados.
O termo “lobista” foi dado no século XIX, pelo presidente Ulysses Grant. Ele era abordado no lobby do hotel Willard, época que isso ainda era possível. A reivindicação das pessoas que envolviam a participação do Governo gerou o termo, e desde então foi usado.

Confira a entrevista, por e-mail, de Jeff Smith:

Ronaldo Andrade - Como a reportagem sobre Watergate influenciou a investigação sobre o caso Abramoff? É possível estabelecer uma conexão?
Jeff Smith
– Não há uma ligação direta entre os casos. Mas a grande reportagem feita pelos meus colegas há mais de trinta anos nos ajudou a estabelecer um padrão para o nosso trabalho investigativo. E visitamos também pessoas em suas casas, como fizeram Woodward e Bernstein.
RA – O Washington Post deu a vocês todas as condições para a realização da reportagem? Há muitas pressões?
Smith - Não houve pressão diretamente sobre nós. Os alvos de nossa investigação reclamaram que a imprensa estava baseada e focada injustamente neles. Mas aqui ninguém deu crédito a essas reclamações, e elas foram desconsideradas. RA – O jornalismo investigativo está perdendo espaço nos jornais?Smith – Acredito que o WP percebeu que seu futuro econômico depende em dar aos leitores algo diferente do que é dado na mídia, e o jornalismo investigativo é uma parte desta fórmula. E espero mais, não menos, reportagens investigativas feitas pelo WP.

RA – Você disse que o futuro econômico do WP depende em dar aos leitores algo que os demais meios de comunicação não dão. Isso é possível? O WP pensa o mesmo?
Smith
- Eu penso que o WP entende que para obter segurança financeira, nós precisamos dar aos leitores informações que eles não terão facilmente em outro lugar, o que significa muitas reportagens investigativas sobre acontecimentos nacionais e internacionais. E isso também é altamente útil, a informação sobre acontecimentos estritamente locais.

RA - E o resto da imprensa americana, também pensa assim?
Smith - Eu não posso falar pelos demais meios de comunicação americanos. Penso que há uma diferença que divide a maioria dos impressos e a maioria da empresas de comunicação nos EUA. Esses, aqui, estão largamente na área de entretenimento, com uso de informações úteis em segundo plano. Nos impressos, essas prioridades são invertidas.

Ronaldo Andrade, com a orientação do Professor Gerson Moreira de Lima
Como a progresso tecnológico prejudica o repórter no seu trabalho
Ronaldo Andrade e Luana Mendes

Indubitavelmente pode-se afirmar que a tecnologia mudou o Jornalismo, não se referindo apenas às sofisticadas máquinas de impressão e inovação dos computadores, por exemplo, que oferecem uma maior agilidade às coberturas feitas pelos veículos de comunicação. Modificou também a rotina do jornalista, a sua maneira de agir, de pensar e de trabalhar para passar ao público aquilo que, de fato, seria classificado como a verdadeira versão dos fatos.
A tecnologia produziu um paradoxo: se um dos princípios básicos do bom Jornalismo é a presença in loco do jornalista - traduzida na máxima “lugar de repórter é na rua” - o progresso fez com que a comodidade de comunicação na redação (fax, computador, internet) o deixasse um pouco mais afastado das ruas, prejudicando sua capacidade de discernimento, julgamento e percepção dos acontecimentos dos quais irá escrever.
A bússola do trabalho do jornalista – a pauta – não é formulada somente nas redações; a observação do cotidiano, o contato com as pessoas, é fundamental para a elaboração da mesma. A contenção econômica feita por jornais, revistas e TVs, em alguns casos realmente necessários, em outros simplesmente por eliminação de custos, colabora para a manutenção deste quadro. As grandes reportagens, ou reportagens em série, que levam mais tempo para serem elaboradas, tiveram uma diminuição; os repórteres tinham de viajar, se deslocar com mais freqüência para obter informações relacionadas à matéria que estavam escrevendo. Atualmente, isso ocorre com menor intensidade, pelo falso conforto que a tecnologia oferece aos profissionais da área, que podem realizar uma matéria sem sequer sair da redação. Em alguns casos, realmente o fato de não se ausentar do seu local de trabalho é válido, porém isso estimula o acomodamento, vício fatal para a ambição de querer fazer sempre o melhor possível. Mas por que falsa comodidade? A resposta é simples: pouco adianta termos uma tecnologia de ponta se ela muitas vezes ajuda mais a esconder os fatos do que trazê-los à tona.
Se ao invés do jornalista buscar a verdade nas ruas, ficar o dia inteiro na redação, terá uma dificuldade maior para a apuração da verdade, pois não esteve presente no local do acontecimento, portanto não vivenciou nada. Informar tem de ser vivenciar, para assim então conscientizar.
Muitas notícias atualmente são tão previsíveis e repetitivas que, com um simples palpite, podemos acertar a manchete da próxima edição de um jornal. Ainda existem aqueles profissionais que acreditam que a cobertura de uma reportagem rotineira foi a melhor de suas vidas. Mas então, o que seria cobrir uma guerra entre traficantes num morro do Rio de Janeiro, investigar os crimes e injustiças cometidas pela Polícia ou descobrir o que se passa nos bastidores de um governo com tantos escândalos de corrupção? Honestamente, isso que é jornalismo, mostrar ao povo aquilo que ele não pode ver, oferecer possibilidades para que o leitor / telespectador desenvolva a opinião crítica e possa emitir um julgamento isento.
Evidentemente que não pode haver uma generalização, ou seja, não seria sensato afirmar que a tecnologia não trouxe benefícios ao Jornalismo. Coberturas ao vivo, provenientes de diversas partes do mundo; a transmissão de dados em tempo real, ou imediatamente após os fatos (Copa do Mundo, por exemplo), só são possíveis devido ao avanço tecnológico. Mas o ponto principal deste texto é alertar quanto ao perigo da tecnologia em prejudicar o trabalho do repórter, estimulando sua acomodação. Sem haver vivência ou muito envolvimento, sem que os profissionais possam desfrutar de um maior aprofundamento, privando-os de se apegar aos detalhes, os quais no momento da elaboração da reportagem passam completamente despercebidos.
Obviamente a tecnologia tem seus prós, mas no Jornalismo, em muitas situações, o que prevalece são os contras.









Tamboréu – de Santos para o Brasil


Quem anda ou corre na faixa de areia, ou dá apenas um simples mergulho no mar, certamente já viu a cena. Praticado majoritariamente por veteranos, mas que já há algum tempo atrai a preferência de muitos jovens, o tamboréu, criado por imigrantes italianos na década de 30, é um esporte que está definitivamente incorporado nas praias de Santos, com centenas de praticantes que se deliciam em mandar a bolinha “de lá pra cá”, com suas inúmeras raquetadas.
Nascido na praia do Gonzaga, os adeptos afirmam que este é o primeiro e único esporte legitimamente brasileiro. E engana-se quem imagina que o tamboréu é praticado apenas em cidades litorâneas: joga-se o tamboréu em quadras de São Paulo, Santo André, Valinhos e Campinas, com algumas entidades e empresas conhecidas, como a Associação Atlética Banco do Brasil.
A Liga Santista de Tamboréu têm sua sede localizada na Rua da Constituição, nº 431. Presidida por Flávio Ratto Monteiro, organiza diversos campeonatos no decorrer do ano, nas categorias juvenil, adulto, veterano e veteraníssimo, destacando-se os torneios Popular da Tribuna, do Santa Cecília e o Campeonato Santista. Destacam-se as equipes do Clube Internacional, Independente, Fluminense e Clube 2004, que possui o patrocínio da empresa Memorial. Os clubes pagam taxas à Liga, proporcionando uma fonte financeira que ajuda na organização dos campeonatos. A Prefeitura, através da Secretaria de Esportes, mantém uma escolinha da modalidade, para pessoas a partir de 07 anos, que funciona no Posto 2, na praia do José Menino. As aulas ocorrem às terças, quintas e sextas-feiras, das 08:00hs às 10:30hs, durante todo o ano.

Regras

Similar ao tênis, é jogado com a mesma bola, mas com o tamboréu (o nome dado à raquete) de madeira, de cerca de 26 centímetros de diâmetro. A rede possui um metro de altura. A regra do jogo é fácil: existe a zona de saque e a área onde a bola deve cair. Cada erro conta ponto para o adversário. São três sets de dez pontos cada um. Pode-se jogar um contra um, mas o comum é o jogo formado por duplas. Um dos integrantes da dupla, chamado "fundista" posiciona-se mais ao fundo da quadra e é responsável pelos saques. O outro parceiro, mais à frente, denominado "frentista”, ocupa-se principalmente da função de "matar" o ponto.
E você, pronto para dar algumas raquetadas?
Mídia Impressa x Escola de Frankfurt
Indústria Cultural e Comunicação de Massa

A Mídia impressa demonstra em suas publicações um dos principais problemas do Jornalismo atual: a busca pelo sensacionalismo, o entretenimento em detrimento da informação, a “photo-op” do dia, o “fait-divers” da semana, as notícias vazias da “silly season”. O desvirtuamento dos princípios jornalísticos, a pasteurização e uniformalização do conteúdo, o apelo ao consumismo; questões que nos remetem ao pensamento dos teóricos da Escola de Frankfurt, que já abordavam sobre a Cultura de Massas e a Indústria Cultural.
Um exemplo recente, na época da Copa do Mundo: a cobertura da Seleção Brasileira se baseou nas polêmicas do atacante Ronaldo, e não no próprio time, criando fatos e alimentando discussões numa pretensa justificativa de que “assim deseja o público”, argumento no mínimo discutível. (Deve-se dizer que as próprias figuras públicas ajudam a criar esse ambiente, pois lhes beneficiam em termos de marketing, dentro da perspectiva da cultura de massa, mantendo a curiosidade do público). As revistas de celebridades brigam entre si para ver quem publica primeiro fotos de casamentos e de nascimento de bebês de famosos, numa promiscuidade entre entretenimento e Jornalismo que acaba prejudicando o segundo. Em investigações jornalísticas, sobretudo no campo político, há uma ênfase nas denúncias, alimentando o espetáculo, diminuindo posteriormente o espaço destinado às apurações das mesmas. Afinal, novas denúncias precisam ser investigadas ou inventadas, pois o show não pode parar.
Um exemplo que também vale a pena ser citado é o do presidente George Bush, que se utilizou da mídia para convencer a sociedade norte-americana de que não havia alternativa senão a guerra contra o Iraque, acusado de produzir e estocar armas de destruição em massa. A indústria cultural também foi decisiva para manter a coesão social durante a Guerra Fria, período marcado pela divisão política em dois pólos: o capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o socialista, comandado pela antiga União Soviética, com a exaltação da mídia ao alto padrão de consumo da sociedade capitalista, especialmente nos EUA, associando-o à idéia de liberdade.

Consumismo

A indústria cultural age na divulgação da idéia de consumismo como liberdade de escolha do indivíduo. A análise crítica de Adorno em relação a tal realidade permanece intacta. Segundo o filósofo, essa é a grande intenção da Indústria Cultural: eclipsar a percepção de todas as pessoas, principalmente daquelas que são formadores de opinião. Ela é a própria ideologia. Os valores passam a ser regidos por ela. Até mesmo a felicidade do individuo é influenciada e condicionada por essa cultura. Adorno e Horkheimer abordaram esse fato no livro Dialética do Esclarecimento, através do caso do canto das sereias do épico de Ulisses.
Assim, o conteúdo do Jornalismo sai prejudicado, dando-se um valor maior à forma. O processo de interação entre as pessoas e os meios de comunicação deteriora-se, prejudicando a capacidade e a autonomia do receptor de informações - o indivíduo comum – em suas escolhas e interpretação; de outro lado, estudiosos que enxergam a Mídia como uma manipuladora incontrolável, tornando-se mais complexas as relações entre público e mídia.
Tal fato acarreta a uma diminuição da circulação de jornais e revistas, pois o leitor mais tradicional, considerado também o mais crítico, procura outros meios de informação, nomeadamente a Internet, em que muitos jornalistas e colaboradores de jornais e revistas publicam em blogs suas opiniões, com liberdade às vezes maior do que no impresso. Desta forma, se quiser recuperar o prestígio de outrora ou conquistar um público mais jovem, que acaba por ir à Internet à procura de notícias, os impressos deverão estimular a independência e a busca por um Jornalismo mais consistente, que valoriza a informação e não o entretenimento, fazendo jus a seus princípios.








Por que fechou?
Fechou por quê?


Nem o Batman deu jeito. Mesmo com os seus poderes, o Homem-Morcego não conseguiu evitar que o Cine Indaiá fechasse suas portas em agosto do ano passado. O filme do referido super-herói foi o último a ser exibido, para tristeza dos cinéfilos de carteirinha, que se habituaram a freqüentar um dos cinemas mais tradicionais de Santos, que formava juntamente com o Roxy e Iporanga a chamada “Cinelândia”. Destes, apenas o Roxy sobreviveu, graças às mudanças que ofereceram um maior conforto e tecnologia aos seus clientes.
Esta região, no coração do Gonzaga, era o ponto de referência quando se falava em cinema. Com a chegada do Cinemark, que oferece, além de ótima qualidade em suas projeções, a comodidade de estar localizado no shopping center (Praiamar), a Cinelândia perdeu espaço, contribuindo para o fechamento do Indaiá, que terá sua área ocupada pelas novas instalações do hotel ao lado.
Mas foi uma morte que vinha se anunciando há algum tempo. ‘‘Cansei de brigar contra a ordem de despejo. “Não consegui chegar a um acordo com os novos proprietários do Hotel Indaiá, que não estavam interessados em manter os cinemas no prédio”, diz Toninho Campos, antigo diretor da empresa Cinemas de Santos e atualmente no comando da Gonzaga Cinemas, proprietária das salas do Cine Roxy. Houve em setembro de 2005 uma espécie de homenagem ao “morto”, com a realização da terceira edição do Festival Santista de Curtas-Metragens, um dos mais importantes do gênero. No evento, o grande homenageado foi Plínio Marcos, cujas obras foram exibidas.
O público santista gosta da sétima arte, sendo uma das cidades do país com o maior índice de presença nos cinemas, superando inclusive São Paulo. Essa lacuna promete ser ocupada, além do Cinemark, pelo Roxy e também pelo Ferry Boat Plaza Translitoral,( na saída da balsa, no Guarujá). Todos os cinemas citados procuram oferecer uma programação variada, até mesmo com a inclusão na sua grade de um dia exclusivo ao cinema nacional, no caso do Cinemark.
Como meio de preservar a história do Cine Indaiá, a Fundação Arquivo e Memória de Santos irá fotografar interna e externamente o cinema. Assim, será uma maneira de rever as instalações do cinema, inaugurado na década de 60 com o épico filme Os 10 Mandamentos, de Cecil B DeMille.
Orgulho e liderança no morro



Se procurarem por Maria Aparecida dos Santos, poucas pessoas no Morro do Pacheco conseguirão identificar. Mas se você perguntar pela “dona” Regina, todos saberão dizer de quem se trata. Moradora há 36 anos, a líder comunitária e voluntária da Fundação Paulo Gomes Barbosa esbanja simpatia e garra em defesa dos interesses da comunidade.
Natural de Taubaté, ela chegou a Santos aos 20 anos para trabalhar como doméstica em uma casa de família. Na escola, ganhou o apelido pelo qual é conhecida, já que não gostava do nome de batismo. Depois, trabalhou como comerciante juntamente como o marido Augusto, falecido há oito anos. Foi nessa época, segundo Regina, que descobriu a vocação pela liderança, já que o casal ajudava os habitantes com cestas de alimento e ajuda médica.
A experiência foi importante para o seu trabalho na Fundação, identificando com clareza os principais problemas da comunidade. Menciona o transporte público e a instalação de uma farmácia, um açougue e uma caixa dos Correios como os mais urgentes. Além desses, há um outro, invisível para quem é de fora, mas perceptível aos habitantes do Pacheco: o preconceito. “Muitos possuem uma idéia equivocada do morro, como se só houvesse problemas. Aqui há segurança, liberdade e solidariedade entre as pessoas”, afirma.
Regina espera com ansiedade a abertura da creche, que inicialmente irá beneficiar cerca de cinqüenta crianças. “Será muito importante o trabalho que irá se desenvolver, pois muitas mães trabalham e não tem onde deixar as crianças”.
Ela sabe do que fala. Mãe de cinco filhos e avó de sete netos, a voluntária aproveita o tempo livre para curtir a família, pescar no Rio Casqueiro e tomar uma cervejinha com os amigos à noite. Pisciana, sonha com melhores condições de vida aos moradores do Pacheco, ideal que é construído a cada dia através do trabalho na Fundação. “Ás vezes penso em voltar para Taubaté, mas aqui me sinto feliz”, completa. Os habitantes do Pacheco agradecem.
Lisa e os gatinhos


Lisa Bruckmann tem duas paixões: a arte de desenhar, que descobriu recentemente, e a ternura pelos gatos, esta sim um amor antigo. Decidiu então juntá-las, e o resultado pode ser conferido nas fotos que ilustram o texto: traços firmes e marcantes, que à primeira vista parecem ter sido feitas por uma desenhista experiente, não fosse ela aluna há apenas três meses da Galeria Hogar.
Lisa faz o curso de pintura em giz pastel motivada por imagens que via na internet de seus bichinhos preferidos, e resolveu então que era hora de manifestar seu lado artístico de forma mais atuante. Formada em Administração de Empresas e funcionária pública da Prefeitura de Santos, pratica a pintura mais como hobby do que propriamente uma fonte de renda, embora não descarte vender suas telas no futuro. Há inclusive uma exposição programada dos alunos do curso para abril do próximo ano, e Lisa espera fazer sucesso com seus trabalhos sobre os “bichanos”.
Aliás, o gosto pelos felinos não se resume unicamente aos inocentes e indefesos gatinhos que retrata, mas também aos poderosos e amedrontadores tigres, leões, panteras e leopardos, que a artista ainda pretende pintar. “A beleza desses animais me fascina, e a elegância que fazem em suas poses me inspira a desenhá-los”, afirma Lisa, com a autoridade de quem possui três gatos.
Cada desenho leva em média seis horas para ficar pronto, e o material utilizado (giz pastel seco e papel canson) tem um custo elevado, encarecendo a produção. Ela, que também já trabalhou com artesanato, mosaico e adora astrologia, talvez encontre nos astros a inspiração necessária para seus desenhos, que um dia possam transformá-la numa verdadeira estrela da pintura. Porque “gata”, como atestam as fotos, ela já é.


Serviço: Galeria Hogar
Av. Epitácio Pessoa, nº 177
Tel: 3236-1157
Por dentro do IML

Um prédio comum, quase despercebido na entrada de Santos, é o seu local de trabalho. Passaria incólume, mas a presença de viaturas funerárias e, principalmente, de homens e mulheres às lágrimas, revela a verdadeira função do cinzento edifício: IML – Instituto Médico Legal. É onde trabalha o médico-legista Édson Fuim, diretor do centro que funciona desde os anos 20, e que está no seu atual endereço há quase 10 anos.
Esse paulistano de 64 anos, simpático no tratamento, porém duro e honesto quanto às condições de trabalho, demonstra uma dedicação exemplar quando fala de sua profissão, exercida há mais de 30 anos. Clínico e pediatra de formação, chefia uma equipe com cerca de 25 funcionários, entre médicos, auxiliares e atendentes de necrotério. O grupo tenta, dia após dia, desvendar os segredos que cada necrópsia – vulgarmente conhecida como autópsia – apresenta. Isso, com as precárias condições de trabalho que são obrigados a enfrentar, que Fuim não tem receio em dizer. Revela, por exemplo, que a maior parte da mobília existente foi fruto de doações. Uma rápida olhada nos serrotes, além de produzir um frio na espinha, serve também para imaginar que as ferramentas estão ultrapassadas. O IML, que atende Santos, São Vicente e Cubatão, possui poucos funcionários para atender todas as ocorrências, acarretando uma demora na retirada dos corpos nos locais dos acidentes. Sem contar com a falta de amparo por parte das prefeituras municipais, que poderiam disponibilizar verbas para uma melhoria do serviço.

Curiosidades

O médico conta que seu trabalho sofre um pouco de preconceito, pois muitos imaginam que sua função se resume unicamente a “cortar defuntos”, expressão que ele refuta prontamente. “As pessoas imaginam que só trabalhamos com os mortos, mas cerca de 70% dos casos que atendemos são com os vivos, como em exames para verificação de agressões e estupros. Além disso, temos que possuir um vasto conhecimento médico, noções sobre diversos campos da Medicina, como patologia e anatomia. Aqui não há espaço para o meio-termo”.
Fuim revela algumas curiosidades, como quando teve que realizar autópsias em pessoas que conhecia, ou quando teve que atender a explosão da Vila Socó, em Cubatão, célebre caso nos anos 80, com dezenas de mortos. “Mas, devido à experiência adquirida, não me impressiono com essas situações. Faz parte do meu trabalho”.

Vida em Família

Casado com uma professora e pai de uma dentista e de uma advogada, Fuim diz que, embora próximo da aposentadoria, pretende seguir trabalhando no IML e morando em Santos, cidade que escolheu para realizar estágio e residência, ainda nos tempos da faculdade, cursada em Uberaba/MG. Ex-jogador do juvenil do Juventus, esse palmeirense adora futebol, mas mesmo sua paixão pelo esporte parece não ser superior à dedicação ao trabalho, que tem orgulho em exercer com o máximo de profissionalismo, numa questão de vida. Ou de morte.
ESTRÉIA DE NOVELA REACENDE DEBATE SOBRE A IMIGRAÇÃO

Publicado em Março de 2005 na Revista Brasil, voltado para a comunidade brasileira na Espanha e em Portugal



“América”, a nova novela da Rede Globo que estreou este mês, em substituição à bem sucedida “Senhora do Destino”, veio reacender a polêmica sobre a questão da imigração. Retrato da pura realidade para alguns, ou estímulo para um mergulho no mar de ilusões da vida no exterior para outros, o fato é que a trama, escrita por Glória Perez, retrata os sonhos e dramas que muitos brasileiros enfrentam na tentativa de conseguir um lugar ao sol. Legalmente ou não.
Esse desejo, que infelizmente está longe de se conseguir para a maioria da população no Brasil, faz com que muitas pessoas larguem seus empregos, famílias, enfim, todas as suas raízes para embarcarem numa aventura de resultado incerto. Você, caro leitor (a) da Revista Brasil Aqui, sabe bem do que falo, pois sentiu – e sente - na pele as dificuldades de se viver longe da pátria. Também eu que vos escrevo e que vivi 3 anos e meio entre Portugal e Espanha, sei o que se passa na mente e no coração de quem imigra, e por este motivo sinto-me à vontade para escrever sobre o assunto. E engana-se quem pensa que esta situação não ocorre no Brasil: estima-se que 1,5 milhão de estrangeiros estejam em situação irregular no país, sofrendo também as mesmas dificuldades e angústias de qualquer imigrante.
Motivado pela novela ou não, o governo, através do Conselho Nacional de Imigração, está preocupado em oferecer apoio aos brasileiros que estão no exterior e para aqueles que possuem este sonho. Através de contatos com as autoridades dos outros países, planeja elaborar convênios sobre as necessidades de emprego que cada nação dispõe, a fim de regulamentar a entrada dos trabalhadores e diminuir a mão-de-obra ilegal. Tal medida favorece a todos, pois o país acolhedor terá o trabalhador devidamente registrado de acordo com a lei vigente, descontando, por exemplo, a contribuição beneficiária para a Segurança Social, além de receber o aquecimento que os imigrantes oferecem ao mercado de trabalho e à economia. Estes, por sua vez, terão a garantia necessária para exercerem suas atividades, e com isso, planejarem com tranqüilidade suas vidas no país, quer permaneçam por pouco ou muito tempo. E ganha também o Brasil, que saberá que seus filhos, embora distantes da pátria e de seus familiares, estarão resguardados nos seus direitos, deveres e na sua dignidade.

Tuesday, July 18, 2006

A fria noite do silêncio

A fria noite do silêncio

Publicado no site http://www.verdestrigos.org/sitenovo/site/novaversao.asp,
de Henrique Chagas, que faz um excelente trabalho cultural em Presidente Prudente

Já não precisamos, no nosso crônico complexo de vira-latas, invejar Paris e seus pares: também aqui, a exemplo dos subúrbios da capital francesa, há revolta social, toque de recolher e manifestação dos massa excluída. Mas como somos mais evoluídos, só queimar carros é démodé: a parada é barbarizar, o bagulho é causar. Impunidade, insegurança, terror, mortes - muitas mortes!
Mas nas nossas noites de Bagdá – comparação mais precisa – a realidade, que já batia à porta, arrombou-a de vez: enquanto se limitava aos guetos, passava. Agora não mais: invadiu toda a cidade, como num assombroso tsunami que, segundo consta, ainda nos aguarda.
Comércio fechado, pontos de ônibus lotados no meio da tarde, celulares indisponíveis (os dos bandidos funcionam), pessoas apavoradas. Fui dar uma volta, lá pelas 18h00. Nem pra comprar um pãozinho dava. Ou melhor, apenas em alguns locais, como na padaria Viena, na Rua Oswaldo Cruz. “Vou encerrar daqui a pouco, mas temos que continuar vivendo”, disse o proprietário, Carlos Ferreira, que realmente fechou o estabelecimento mais tarde. Na Unisanta, não houve aulas. A noite, juntamente com a fina chuva que começou a cair, produzia um aspecto ainda mais sombrio à Cidade. Encontro com um “motoboy” da TV Cultura, Heleno, que veio buscar uma fita da Santa Cecília, com imagens da rebelião do CDP de São Vicente para exibição no telejornal das nove. Lembrei-me do Rota 66, Caco Barcellos. “A Polícia já me parou várias vezes, mas quando vêem meu uniforme, me deixam passar”, diz. Isso é o que me assusta, pois não tenho nenhuma vestimenta que me identifique como imprensa, apenas a carteirinha de estudante de Jornalismo, improvisada como crachá. O receio não é me deparar com possíveis bandidos, mas o olhar de desconfiança das poucas pessoas que transitam pelas ruas e também dos policiais, mas não encontro nenhum. Arrisco fotografar alguns estabelecimentos comercias que àquele horário deveriam estar abertos, e os vigilantes, tão assustados quanto eu, correm para impedir. E quando digo “Imprensa” e mostro o improvisado crachá, a resistência baixa. Mas nem tanto assim.
No Centro, a mesma situação. As ruas ao entorno das delegacias estão bloqueadas, proteção justa para quem arrisca a vida e se tornou o principal alvo. Nesta guerra, estamos ao lado da Polícia. Mas nem por isso arrisco fotografar. Tenho medo. Na Praça José Bonifácio, o Fórum cercado. Nunca imaginei o centro do Poder Judiciário sitiado. Quem sabe a proximidade com a Catedral ajude a obtenção das bênçãos divinas, as únicas, talvez, a nos salvar.
Mais uma volta, e vejo uma pequena porta, com uma escassa luz na entrada. “Tá fraco o movimento, meninas?” pergunto às primas, que se mostram entusiasmadas com um possível cliente numa noite de pouco movimento. Elas reclamam que até o momento, 19h00, nada. Ando uma quadra e vejo uma pequena igreja, com as portas abertas. Vazia. Pecadores e santos, diferentes em quase tudo (ou nem tanto, diria um cínico) têm um sentimento comum, que se estende a toda Cidade: o medo. Medo de sair às ruas, de seguir o curso habitual, de colocar a cabeça na janela, observar o movimento atrás da cortina e através da TV, do rádio, da internet. Compreensível, mas é diante da adversidade que devemos mostrar bravura, arregaçar as mangas e realizar ações que visem à melhoria da população. Clichê? Sim, mas um clichê verdadeiro.
De manhã, Santos parece voltar à vida normal, embora normalidade seja um conceito relativo. Vamos continuar vivendo, até porque não há alternativa, só a morte, que tanto nos assusta e que, de mãos dadas com o pavor, tão presente se fez na Cidade nessa fria noite de silêncio.